A quarentena, que surgiu como uma medida de contenção na contaminação pela Covid-19, escancara também uma outra e triste realidade: a violência contra a mulher. E é pensando nesse agravante e na urgência do tema que a STILINGUE traz o que é dito nas redes sobre violência doméstica em tempos de Covid-19.
Confira a parte 1 da série de estudos a respeito da violência contra mulher em tempos de isolamento social.
E se perguntássemos se você conhece alguma mulher que já sofreu violência doméstica? É possível que você responda que mais de uma. Sim! Infelizmente não é raro conhecer a história de uma mulher vítima de violência doméstica ou até mesmo ser a própria vítima. E em tempos de Covid-19 a mulher se torna ainda mais vulnerável à esse tipo de violência.
No Brasil, esse tipo de agressão é uma realidade, para se ter uma ideia a cada 2 minutos uma mulher é vítima de violência doméstica, e o agressor é quase sempre uma pessoa de convívio familiar: o pai, o padrasto, o irmão, filho e principalmente o parceiro – marido, namorado, ficante. É em casa que as mulheres correm mais risco, já que 70% das agressões ocorrem dentro da própria residência.
Considerando esse quadro, conseguimos entender como a pandemia potencializou a vulnerabilidade da mulher à violência doméstica, já que agora ela se vê obrigada a estar confinada com o próprio agressor.
Correr para casa do vizinho na tentativa de ser socorrida já não é uma opção, pedir ajuda se torna ainda mais difícil em tempos de isolamento social.
Somente em março e abril deste ano, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), houve um aumento de 22% no número de feminicídios comparado com mesmo período, em 2019.
A quarentena que surgiu como uma medida de contenção na contaminação pela Covid-19, escancara também uma outra e triste realidade: a violência contra a mulher. E é pensando nesse agravante e na urgência do tema que a STILINGUE traz o que é dito nas redes sobre violência doméstica em tempos de Covid-19.
Dados gerais
De abril até junho de 2020, foram coletadas 179.485 publicações considerando o universo violência doméstica, feminicídio e coronavírus.
O gênero que mais sofre violência doméstica é também o gênero que mais cita violência doméstica nas redes.
- 41% de mulheres;
- 34% de homens;
- 25% de organizações.
Ao aplicarmos o zoom sobre o gênero mulher no gráfico, temos em destaque os termos mulher e violência doméstica, que se relacionam aos demais termos: isolamento social, coronavírus, denúncias de violência e pandemia.
Quem fala?
Na amostra, aparecem em destaque, como principais publicadores sobre o tema, Leda Nagle, Manuela D’ávila e a atual ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves.
É de fora para dentro!
Falar em aumento da violência doméstica durante a pandemia sem ampliar a discussão para além do ambiente doméstico, é um erro. Pense que são vários os fatores que potencializam a vulnerabilidade da mulher nesse cenário, fatores sociais, externos, que acabam refletindo diretamente na violência que sofrem dentro de casa.
Analisando unicamente a questão de gênero, ainda temos os salários mais baixos, configuramos o maior índice de desemprego e de vítimas de violência doméstica. Segundo dados divulgados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), no quarto trimestre de 2019, o rendimento mensal das mulheres foi 22% menor que o dos homens em todo o Brasil.
Muitas dessas mulheres permanecem no lar abusivo e violento por não terem renda financeira, sem terem para onde ir, e com receios sobre como custear a criação dos filhos – já que deixá-los na custódia de um parceiro violento também os colocaria em risco – e assim acabam permanecendo no âmbito de violação.
No gráfico Duelo de Termos da STILINGUE é possível visualizar os termos presentes em cada universo. Ao duelar discursos masculinos e femininos temos o seguinte cenário:
No lado dos homens, evidencia-se termos recorrentes: Presidente Jair Bolsonaro, Cloroquina, pandemia, STF, projeto de lei.
Enquanto que, no feminino : isolamento social, violência doméstica, números de violência, relacionamento abusivo, mulher negra.
Vulnerabilidade e silenciamento da vítima
Outro agravante que contribui para a vulnerabilidade da mulher em um cenário de violência doméstica é, além da fragilização psicológica decorrente de uma série de abusos, a desconfiança quanto às instituições.
Muitas das mulheres que buscam ajuda e proteção do Estado, de órgãos oficiais, se sentem desacreditadas e desrespeitadas no processo e acabam se “calando” diante á violência.
Segundo pesquisa encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgada em 2019 pelo Datafolha, 52% das mulheres que sofreram alguma agressão no ano anterior ficaram caladas.
Ainda segundo dados do FSBP, 30% das mulheres que sofrem violência preferem falar com a família, amigos e membros da igreja sobre as agressões.
Quando optam por buscar uma instituição de segurança, a mais buscada é a Delegacia da Mulher – apenas 22% das vítimas de agressão buscaram ajuda no órgão oficial.
Considerando os termos silenciamento, calada(s), e violência doméstica. Na amostra, temos o total de 921 publicações coletadas, realizadas por 643 publicadores únicos.
Quando uma mulher sofre violência doméstica, é agredida não apenas pelo agressor direto. Mas pelo Estado no que tange a prevenção à violência, pela omissão de socorro por parte da sociedade e pela ainda ineficiência de medidas de proteção à vítima.
É preciso entender as especificidades de cada mulher e os contextos sociais que impactam nesse cenário e para além: a responsabilidade coletiva em combatermos essa prática tão cruel e presente que é violência contra a mulher.
Somos vítimas, não nos responsabilize pela violência sofrida.
Você não está sozinha!
DENUNCIE: disque 180
O Comitê de Mulheres da STILINGUE e a relação com este estudo
Neste contexto, o Comitê de Mulheres da STILINGUE Inteligência Artificial definiu como objetivo desta pesquisa analisar e relatar como as redes sociais observam e mencionam a violência doméstica em meio a Covid-19, a percepção das mídias sociais e perspectivas futuras em meio a pandemia.
Além do tema emergente, não se deve desprezar o aumento das estatísticas, que por muitas vezes nem demonstram em si a realidade, visto que muitas dessas mulheres continuarão a conviver com o agressor, e ao mesmo tempo com o isolamento não conseguem realizar a denúncia.
As informações obtidas por meio da plataforma STILINGUE podem favorecer a reflexão e debate em torno da insuficiência de práticas e políticas voltadas para a violência doméstica neste momento.
Gostou? Leia a continuação deste estudo:
Parte 2 – Mulher preta, racismo, violência e Covid-19, racismo, como assim?